
O que é uma “transição justa” e como está o progresso dos países
Construir um futuro sustentável exigirá mudanças profundas na forma como produzimos energia e operamos nossas economias, com impactos inevitáveis nos meios de subsistência das pessoas. Pense no que pode acontecer com comunidades que hoje dependem do carvão com o fechamento de uma usina, ou como trabalhadores da indústria automobilística enfrentarão a transição para a fabricação de veículos elétricos.
Ao mesmo tempo, a transição de setores com alta emissão de carbono para alternativas mais sustentáveis pode trazer benefícios consideráveis. Além de proteger a população contra os crescentes extremos climáticos, essa transição pode gerar milhões de empregos e impulsionar o PIB global, oferecendo novas oportunidades de crescimento e desenvolvimento em regiões afetadas pela mudança.
Uma “transição justa” busca equilibrar de forma equitativa esses riscos e benefícios, sem deixar ninguém para trás.
Ao longo da última década, cada vez mais países aram a adotar os princípios da transição justa em seus planos e políticas climáticas nacionais. Muitos também já têm tomado medidas concretas para alcançar esses objetivos, como trabalhar em conjunto com diferentes atores para desenvolver roteiros ou planos de transição justa, qualificar e requalificar trabalhadores para empregos verdes ou eliminar subsídios aos combustíveis fósseis. Mas a pergunta permanece: como os países estão de fato progredindo rumo a uma transição justa?
Poucos países monitoram suas ações de transição justa de forma transparente, o que dificulta avaliar os avanços e permite que comunidades cobrem de seus governos o cumprimento de promessas feitas. No entanto, novas orientações desenvolvidas pelo WRI e pela Iniciativa para a Transparência em Ações Climáticas (ICAT), com base na experiência de países que estão na vanguarda desse processo, oferecem um caminho a seguir.
O que realmente significa “transição justa”?
Uma “transição justa” refere-se ao enfrentamento das mudanças climáticas de maneira equitativa, justa e inclusiva. Isso significa criar oportunidades de trabalho decentes para todos, evitar riscos como o desemprego e o deslocamento de pessoas e adotar uma abordagem inclusiva para lidar com os desafios associados à transição para uma economia de baixo carbono.
Essa transição envolve várias dimensões. Uma transição justa deve incluir a “justiça distributiva”, que prevê que os benefícios e desafios da transição sejam distribuídos de forma equitativa entre a sociedade; a “justiça processual”, que garante que as pessoas participem dos processos de tomada de decisão que as afetam; e a “justiça restaurativa”, que busca reparar danos ados.
Em outras palavras, a transição justa não se limita à criação de novos empregos para aqueles que têm seus meios de vida ligados aos combustíveis fósseis (embora esse seja um aspecto importante). Ela também pode envolver a reparação de desigualdades históricas, como a exposição desigual à poluição. Pode envolver a garantia de que benefícios sociais – como transporte limpo ou novas oportunidades no mercado de trabalho – estejam disponíveis para todos. E pode incluir a priorização do bem-estar social como um indicador-chave do progresso nacional.

É importante destacar que não existe uma abordagem única para uma transição justa. Cada comunidade, país e região enfrentará desafios específicos relacionados às mudanças climáticas, e as soluções mais adequadas dependem de seus contextos sociais, políticos e geográficos.
A África do Sul, por exemplo – um país dependente do carvão e que registra altos índices de desemprego e desigualdade –, considera a transição justa uma oportunidade de “alcançar uma vida de qualidade para todos os sul-africanos”. O país especifica que a transição deve promover a inclusão social, reduzir a pobreza e “colocar as pessoas no centro da tomada de decisões, especialmente os grupos mais afetados: pessoas de baixa renda, mulheres, pessoas com deficiência e jovens”. A África do Sul também destaca oportunidades de ação, como construir “sistemas de energia renovável íveis, descentralizados e com diversidade de propriedade” e garantir “um uso da terra sustentável, equitativo e inclusivo para todos”.
Já a Escócia, um dos maiores produtores de combustíveis fósseis da Europa, tem enfatizado os empregos em sua abordagem de transição justa. O país ressalta a necessidade de “formação profissional e educação que contribuam para garantir empregos de qualidade e alto valor em indústrias verdes, como manufatura de baixo carbono, energias renováveis e tecnologia”. Outro aspecto relevante na transição escocesa é a “segurança no emprego para aqueles que atuam em setores que terão papel central na transição, desde trabalhadores em postos de gasolina até os que estão em plataformas de petróleo”.
Os países estão progredindo em suas transições justas?
A ideia de uma “transição justa” ganhou destaque quando foi incluída no Acordo de Paris em 2015. Desde então, ou a fazer parte dos planos e políticas nacionais.
O número de países que incluem os conceitos de transição justa de forma explícita em seus planos climáticos (conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas ou NDCs) aumentou de apenas um (África do Sul) em 2015 para 66 (em abril de 2025). Alguns países mencionam o conceito de forma breve, enquanto outros, como Chile e Reino Unido, dedicam seções inteiras a como pretendem abordar a transição justa. A NDC do Reino Unido, por exemplo, destaca a criação de um Departamento de Empregos em Energia Limpa para garantir oportunidades de qualidade e em grande número para sua força de trabalho no setor energético.
No caso do Brasil, a transição justa é mencionada como estratégia transversal do Plano Clima e deverá estar refletida nas diversas ações que ele englobará. É necessário aguardar o lançamento oficial do plano para avaliar como essa perspectiva será aplicada de fato.
Os países também têm incorporado a transição justa em suas estratégias climáticas de longo prazo (LTS), que buscam alinhar prioridades nacionais de desenvolvimento com a ação climática. Cinquenta e sete por cento das estratégias de longo prazo submetidas até setembro de 2023 mencionam a transição justa, embora em diferentes níveis de detalhamento – países como Indonésia e Espanha apresentam descrições claras dos esforços nessa área, enquanto outros não oferecem tantos detalhes.
Alguns países também já vão além das promessas e planos, desenvolvendo estratégias e políticas nacionais que traduzem os princípios da transição justa em ações concretas.
- Além do Departamento de Empregos em Energia Limpa, o Reino Unido lançou o Skills England, uma iniciativa voltada para a capacitação ou requalificação de trabalhadores para que possam aproveitar as oportunidades de emprego na economia verde.
- Nos Estados Unidos, políticas anteriores foram bastante focadas na justiça distributiva. A iniciativa Justice40, da gestão de Biden, por exemplo, tinha o objetivo de direcionar 40% dos investimentos climáticos federais para as comunidades mais afetadas pela poluição (no entanto, sob um novo governo, o futuro dessa iniciativa é incerto).
- Na Coreia do Sul, o governo declarou que apoiará pequenas e médias empresas em suas transições para uma economia de baixo carbono por meio da implementação de políticas que facilitem a adoção de tecnologias verdes e práticas sustentáveis.
- No Canadá, o governo criou o Fundo de Transição para Comunidades do Carvão para apoiar municípios e comunidades indígenas afetadas pela eliminação do carvão em Alberta. Os recursos têm financiado estudos de impacto social e econômico, planejamento de transições comunitárias e iniciativas para fortalecer negócios locais.
Em paralelo, outros mecanismos de financiamento climático inovadores surgem para acelerar os esforços de transição justa dos países. Modelos como as Parcerias para a Transição Energética Justa (JETPs, na sigla em inglês) e as Plataformas Climáticas e de Desenvolvimento têm mobilizado financiamento em âmbito nacional para implementar o crescimento verde em larga escala. Em 2021, por exemplo a África do Sul assinou um acordo para uma JETP com o objetivo de mobilizar US$ 8,5 bilhões de países parceiros. O acordo permitiu a realização de investimentos estratégicos em cadeias produtivas vulneráveis, como as indústrias automotiva e agrícola, iniciando a transição para uma sociedade mais limpa, verde e igualitária.
Do compromisso à medição de impacto
Esse aumento dos compromissos com a transição justa sugere uma tendência promissora. Mas o quanto os países estão realmente progredindo? A resposta a essa pergunta é menos evidente.
A maioria dos países ainda carece de processos e sistemas para monitorar o avanço em direção às metas de uma transição justa. Trata-se de um elemento essencial para promover mudanças reais. Informações claras sobre o progresso ajudam os governos a aprimorar suas abordagens e alinhar melhor as políticas e os financiamentos com os objetivos da transição justa. Ao avaliar de forma transparente os impactos sobre o emprego, a equidade de gênero e outras prioridades socioeconômicas, os governos conseguem mostrar aos atores nacionais e internacionais o que está funcionando bem, o que pode ser replicado e onde pode haver necessidade de apoio adicional.
Determinar como medir e acompanhar esse progresso pode ser desafiador. Apesar de mais de uma década acompanhando indicadores de desenvolvimento sustentável, muitos países ainda não contam com mecanismos consistentes para monitorar dados socioeconômicos, o que gera uma lacuna na identificação de necessidades específicas e apoios que poderiam ser direcionados a grupos em situação de vulnerabilidade.
Alguns países, no entanto, estão começando a avançar nessa frente.
A Nigéria busca entender se os benefícios da ação climática têm sido distribuídos de forma equitativa, com foco em populações vulneráveis, como mulheres, jovens, comunidades indígenas e pessoas com deficiência. O Ministério Federal do Trabalho e do Emprego do país, com apoio do ICAT, desenvolveu uma estrutura de monitoramento, relato e verificação (MRV) para uma transição justa e inclusiva em gênero. A estrutura – aplicada aos setores de petróleo e gás e agricultura, florestas e uso da terra – identificou indicadores-chave para acompanhar como os esforços de transição nessas áreas estão afetando os grupos vulneráveis.
A África do Sul desenvolveu recentemente uma estrutura de monitoramento, avaliação e aprendizado (MEL, na sigla em inglês) para ajudar formuladores de políticas a entenderem o progresso nacional e local rumo a uma transição justa, incluindo os impactos em setores específicos em situação de risco. O país identificou indicadores-chave, considerando aspectos como disparidades raciais e de gênero no emprego em setores afetados pela transição, como o de energia; níveis de pobreza multidimensional em comunidades dependentes do carvão, como Mpumalanga; e o percentual de pessoas com formação profissional em setores sustentáveis que conseguem emprego até seis meses após a conclusão do curso.

O novo Guia de Monitoramento de Transições Justas da ICAT reúne lições desses países e orientações para outros governos que desejam monitorar suas ações de transição justa e entender melhor para onde direcionar os esforços. O guia inclui etapas para desenvolver metas e prioridades relacionadas à transição justa, como definir objetivos, selecionar indicadores sociais, econômicos e ambientais, e analisar e comunicar os dados a diversos públicos.
Independentemente da fase em que estejam na definição e formulação de seus planos de transição justa, os países podem estruturar processos de monitoramento e identificar os principais indicadores para orientar e acompanhar esses esforços. Por exemplo, com apoio da ICAT, o Ministério do Meio Ambiente do Brasil tem utilizado o guia para desenvolver uma estratégia de monitoramento dos impactos socioeconômicos do Plano Clima. Os países podem usar o guia para obter um panorama mais claro de seus avanços, aprimorar ações bem-sucedidas e identificar áreas que demandem apoio adicional ou políticas mais direcionadas.
Viabilizando transições justas em larga escala
Os países estão ampliando seus compromissos com uma transição justa e buscando definir o que isso significa em seus contextos específicos. No entanto, sem mecanismos de monitoramento, será difícil saber se os governos estão de fato cumprindo o que prometeram.
Embora o monitoramento seja um dos fatores essenciais para garantir transparência e responsabilização na transição justa, ele não é o único. Para expandir transições justas entre regiões, setores e países, são necessárias mudanças significativas tanto por parte das instituições quanto da sociedade. Os governos precisam ir além de projetos pontuais, adotando ações consistentes, sistêmicas e coordenadas, capazes de viabilizar transições justas em maior escala. Isso inclui a colaboração com outros governos (em nível nacional e internacional), bem como com o setor privado, para ampliar o financiamento e promover parcerias público-privadas.
Em todas as etapas, é fundamental incorporar o diálogo com a sociedade, garantindo que os grupos mais impactados participem de forma plena das decisões que afetam suas comunidades. Só quando todas as pessoas forem representadas e contempladas no planejamento será possível assegurar que a transição para um futuro mais sustentável seja, de fato, justa.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.