
O que são as “perdas e danos” das mudanças climáticas?
O planeta já está 1,3°C mais quente devido a alterações climáticas induzidas pelos humanos e, em 2024, pela primeira vez ultraou temporariamente o limite de 1,5°C do Acordo de Paris. Milhões de pessoas já enfrentam consequências reais do aumento das temperaturas, da elevação do nível dos oceanos, de tempestades mais severas e de chuvas que escapam às previsões meteorológicas.
Uma redução rápida das emissões é essencial para conter o aumento da temperatura e garantir um futuro mais seguro para todos. Também são essenciais investimentos capazes de proteger as comunidades dos impactos cada vez mais severos que continuarão piorando com o tempo.
No entanto, esforços coletivos para restringir as emissões de gases do efeito estufa e promover adaptação atualmente não são suficientes para combater a velocidade e a escala em que os impactos aumentam. Mesmo que consigamos controlar o aquecimento a longo prazo, já estamos vivenciando lembretes diários dos riscos de um mundo mais quente, como o aumento de incêndios florestais e enchentes extremas, o que significa que algumas perdas e danos em decorrência das mudanças no clima são inevitáveis. Como os países vão enfrentar essas perdas e danos tem sido uma questão fundamental nas negociações climáticas da ONU e em outros fóruns.
Entenda o conceito de Perdas e Danos e como o mundo pode enfrentar a questão.
O que é Perdas e Danos?
negociações climáticas internacionais para se referir às consequências das mudanças climáticas que vão além daquilo a que as pessoas podem se adaptar. Por exemplo, a perda de zonas costeiras devido à subida do nível do mar ou a perda de casas e vidas durante enchentes extremas. Também são incluídas situações em que existem opções, mas a comunidade em questão não conta com os recursos necessários para colocá-las em prática.
Desde a formação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) no início dos anos 1990, os países vulneráveis solicitam aos desenvolvidos que ofereçam assistência financeira para ajudá-los com as perdas e danos, mas suas propostas têm sido rejeitadas.
As perdas e os danos já prejudicam e continuarão prejudicando principalmente as comunidades vulneráveis, o que significa que abordar a questão é uma questão urgente de justiça climática. Mas o assunto tem sido historicamente repleto de controvérsias, tanto dentro como fora das negociações climáticas da ONU. Uma das grandes discussões entre os países é para para chegar a um acordo sobre quanto dinheiro as nações desenvolvidas devem fornecer em resposta às perdas e danos nos países em desenvolvimento - os que menos contribuíram para a crise climática, mas que são muitas vezes os mais severamente atingidos pelos seus impactos. Embora um fundo internacional de perdas e danos tenha sido criado em 2022 para começar a atender a essa necessidade, os compromissos de financiamento de longo prazo permanecem sem solução.
O que conta como perdas e danos?
Perdas e danos podem ocorrer a partir tanto de eventos extremos como ciclones, secas e ondas de calor quanto de mudanças de evolução gradativa – como o aumento do nível do mar, processos de desertificação, diminuição das geleiras, degradação da terra e acidificação e salinização dos oceanos. Em alguns casos, os danos podem alterar a paisagem de forma permanente; é o caso, por exemplo, do avanço do mar sobre pequenas ilhas ou as secas consumindo os recursos de água doce e transformando terras agrícolas antes produtivas em poeira.

Os danos podem ser divididos em perdas econômicas e não econômicas, embora as duas categorias possam se sobrepor.
Perdas e danos econômicos são aqueles que afetam recursos, bens e serviços comercializados. Em outras palavras, impactos climáticos que atingem setores como agricultura, silvicultura, pesca e turismo ou que danificam infraestruturas essenciais e propriedades, além de prejudicar as cadeias de abastecimento. Isso pode ocorrer em uma escala internacional ou nacional, bem como a nível local, com impactos sobre comunidades ou agricultores individualmente.
Por exemplo, na zona costeira de Bangladesh, a salicultura é uma importante geradora de empregos. No entanto, nos últimos anos, ciclones frequentes, oscilações nas marés e chuvas fortes prejudicaram a produção, acabando com a autossuficiência do país e forçando-o a importar sal para suprir o déficit no mercado.
Perdas não econômicas podem ser as mais devastadoras – como o preço incalculável de perder familiares, o desaparecimento de culturas e modos de vida ou ser obrigado a deixar terras e lares ancestrais.
Considere a situação das comunidades de Kosrae, na Micronésia, por exemplo, que perderam seus cemitérios devido à erosão costeira causada pela elevação do nível do mar. Ou a perda de gelo marinho no Ártico, que afetou a identidade cultural e as práticas de caça entre as comunidades Inuit. E a temporada de furacões do Caribe em 2017, que resultou na realocação de populações insulares inteiras devido à destruição completa de diversas comunidades.
Embora mais difíceis de quantificar e monetizar, as perdas não econômicas têm efeitos graves sobre o bem-estar das comunidades afetadas.
Qual a diferença entre mitigação, adaptação e cobrir perdas e danos?
No âmbito do Acordo de Paris, os países reconheceram a importância de "reverter, minimizar e endereçar" perdas e danos.
As perdas e danos podem ser “revertidas” e “minimizadas” com a redução das emissões de gases de efeito estufa (mitigação) e a implementação de medidas preventivas para proteger as comunidades das consequências das mudanças no clima (adaptação). Medidas de adaptação incluem proteger as comunidades costeiras do aumento do nível do mar oferecendo ajuda para que se mudem para áreas mais altas, preparar-se para eventos extremos investindo em sistemas de alerta, proteger os suprimentos alimentares, mudar para o cultivo de culturas mais resistentes às secas, entre outras várias ações..
As perdas e danos acontecem quando os esforços de mitigação não são ambiciosos o suficiente e quando os esforços de adaptação não são bem-sucedidos ou são inviáveis, às vezes devido aos recursos limitados de que dispõem as comunidades. Pesquisas do Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) reconhecem que, à medida que a magnitude das mudanças climáticas aumenta, aumenta também a probabilidade de exceder os limites de adaptação. O relatório diferencia esses limites entre “suaves” (soft) – quando existem opções de adaptação, mas não íveis – e “difíceis” (hard) – casos em que “não há perspectivas razoáveis de que riscos intoleráveis sejam evitados”. Esses limites têm impactos ainda mais acentuados nas comunidades vulneráveis que não dispõem dos recursos necessários para implementar medidas de adaptação.
Recifes de corais são um bom exemplo de onde a adaptação tende a atingir seus limites. O IPCC mostrou que até 90% dos recifes de corais tropicais morrerão até a metade do século, mesmo que o aumento da temperatura fique dentro do limite de 1,5°C (e serão quase totalmente perdidos no cenário de um aumento de 2°C). Uma mudança como essa vai levar a perdas irreversíveis de biodiversidade e afetará de forma significativa as comunidades que vendem e se alimentam dos peixes que vivem nestes recifes.
Embora sejam necessárias pesquisas mais aprofundadas para entender os limites da adaptação climática, está claro que as perdas e danos já estão acontecendo e que muitas comunidades não dispõem de recursos para lidar com elas. Planos e políticas climáticas devem considerar as perdas e danos, além de mitigação e adaptação, e garantir que financiamento e apoio adequados estejam disponíveis.

Quando o tema de perdas e danos aparece nas negociações da ONU?
A questão de perdas e danos tem sido um tema bastante discutido nas negociações climáticas da ONU por mais de três décadas.
Começou em 1991, quando Vanuatu e outras pequenas ilhas propam uma maneira
Plano de Ação de Bali) e só ganhou força de verdade em 2013, quando o Mecanismo Internacional de Varsóvia sobre Perdas e Danos (WIM) foi criado. Mas nem o WIM nem qualquer outro mecanismo estabelecido detalharam o financiamento para ajudar os países a lidarem com perdas e danos.
Em 2015, os países em desenvolvimento conseguiram com sucesso incluir no Acordo de Paris um artigo sobre perdas e danos (Artigo 8). No entanto, o financiamento relacionado a perdas e danos foi ignorado. Além disso, os países desenvolvidos garantiram que o documento final da Cúpula Climática da ONU (COP21) usasse uma terminologia que excluía reivindicações de responsabilidade ou compensação associadas a perdas e danos. Na Cúpula Climática da ONU em 2021 (COP26), as nações mais vulneráveis ao clima novamente pressionaram por um fundo de perdas e danos, mas foram rejeitadas mais uma vez. Em vez disso, os negociadores estabeleceram os Diálogos de Glasgow, com duração de dois anos, para explorar possíveis arranjos de perdas e danos. Eles também concordaram em financiar a Rede de Santiago sobre Perdas e Danos (SNLD), criada em 2019 para fornecer assistência técnica às pessoas afetadas por perdas e danos
Em 2022, os países finalmente concordaram em criar um novo fundo para perdas e danos. No ano seguinte, ele foi colocado em funcionamento como o Fundo para Responder às Perdas e Danos (FRLD), com quase 700 milhões de dólares em promessas iniciais para preencher o fundo. A SNLD também foi oficialmente operacionalizada nesse ano.
Foi um momento marcante nas negociações sobre perdas e danos — mas o trabalho ainda estava longe de acabar.
Desde 2023, os esforços continuam para operacionalizar o FRLD — as Filipinas foram confirmadas como país anfitrião, um diretor executivo foi nomeado, e o Banco Mundial conseguiu atender com sucesso às condições necessárias para sediar o FRLD. Enquanto isso, a SNLD está promovendo sua primeira rodada de assistência técnica, após o pedido de Vanuatu para desenvolver um programa de longo prazo para lidar com os impactos de perdas e danos.
Desde a cúpula da ONU sobre clima de 2024 (COP29), promessas de aportes adicionais ao FRLD vieram da Austrália, Áustria, Luxemburgo, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Suécia e outros. Até abril de 2025, as promessas para o FRLD totalizavam US$ 768,4 milhões.
Também vale a pena destacar que, na COP29, uma meta de financiamento climático foi adotada, mas não incluiu uma submeta para perdas e danos. Embora o documento final tenha reconhecido o aumento da lacuna no enfrentamento do crescimento na escala e na frequência dos impactos de perdas e danos, não detalhou com quanto se espera que os países desenvolvidos contribuam. Além disso, os países não conseguiram finalizar a terceira revisão quinquenal do Mecanismo de Perdas e Danos (WIM), que agora foi adiada para a Cúpula Climática da ONU em novembro de 2025.
Embora os US$ 768,4 milhões já prometidos sejam um começo, estão muito abaixo dos até US$ 580 bilhões que os países vulneráveis podem precisar para cobrir danos relacionados ao clima até 2030.
Perdas e danos são uma questão de responsabilização e compensação?
Uma das razões pelas quais o assunto têm gerado controvérsias é a preocupação das nações desenvolvidas de que a compensação por perdas e danos devido a impactos climáticos adversos seja interpretada como uma issão de responsabilidade legal, desencadeando litígios e pedidos de indenização em grande escala. Assim, os países desenvolvidos lutaram para que a linguagem utilizada no Acordo de Paris evitasse que fossem legalmente obrigados a esse tipo de compensação.
Esta preocupação foi abordada nas discussões sobre financiamento de perdas e danos na COP27 e na decisão final da COP28, no ano seguinte, que afirma que “os arranjos de financiamento, incluindo um fundo para responder a perdas e danos, são baseados na cooperação e facilitação e não envolvem responsabilidade ou compensação”. Isso proporcionou a segurança que os países desenvolvidos procuravam para continuar as negociações e pôr em funcionamento o fundo para perdas e danos.
Quais são as possíveis fontes de recursos para cobrir perdas e danos?
Um conjunto de fontes de financiamento, incluindo públicas e privadas, será necessário para enfrentar a escala e o alcance das perdas e danos causados pelas mudanças climáticas. Mas elas não podem funcionar separadamente. Para abordar a escala e o tamanho do problema, todos as fontes precisam fazer parte de um “mosaico de soluções” mais amplo.
Além do Fundo para Responder a Perdas e Danos (FRLD), alguns países desenvolvidos apontam fundos de ajuda humanitária, gestão de riscos e seguros como fontes de financiamento. Outras fontes mais inovadoras também foram propostas, como impostos sobre viagens aéreas e marítimas, impostos sobre transações financeiras, impostos sobre lucros extraordinários de empresas de combustíveis fósseis e outras fontes não públicas.
Exemplos de diferentes partes do mundo mostram por que essa combinação de financiamentos é necessária. Após as inundações devastadoras no Paquistão, em 2022, o país precisava de assistência humanitária a curto prazo, bem como de apoio a longo prazo para a reconstrução. Ao mesmo tempo, Palau está preocupado com a migração de atum para fora das suas áreas de pesca à medida que o oceano aquece. Sem a capacidade de pescar atum, algumas nações insulares do Pacífico poderiam perder rendimentos equivalentes a 37% das receitas governamentais. Embora a ajuda humanitária não esteja preparada nem é obrigada a resolver esse problema, outras formas de financiamento poderiam.

Esses exemplos reforçam a necessidade de mecanismos de financiamento mais amplos, como o fundo dedicado para perdas e danos, que possa coordenar e alinhar vários tipos de financiamento, tanto dentro como fora da UNFCCC. O fundo facilitará a coordenação com uma ampla variedade de acordos de financiamento através de bancos multilaterais de desenvolvimento, agências relevantes da ONU, fundos climáticos multilaterais, a Rede de Santiago e outros.
Fora da UNFCCC, ocorreram avanços importantes no financiamento de perdas e danos. Entre eles o Fórum de Vulnerabilidade Climática (CVF, na sigla em inglês) e o fundo de perdas e danos a partir de financiamento coletivo do bloco dos Vinte Vulneráveis (V20), assim como a iniciativa Escudo Global Contra Riscos Climáticos do G7 e V20, que visa melhorar as estruturas financeiras existentes sobre riscos climáticos e financiamento de perdas e danos.
Quais atividades poderiam financiar o apoio para perdas e danos?
Tratar as perdas e danos pode envolver diversas ações, e esse é um processo que deve ser pensado para as necessidades e prioridades das comunidades afetadas. Exemplos incluem seguros associados ao clima para produtores ou uma reserva de fundos para reconstruir infraestruturas essenciais em caso de catástrofes climáticas.
Os esforços também podem envolver assistência humanitária imediata após eventos extremos, reabilitação das vítimas por meio do fornecimento de bens básicos, transferências emergenciais para as pessoas afetadas por meio dos programas de assistência social e a qualificação das instituições de microcrédito para que ofereçam opções de financiamento para a retomada dos meios de subsistência.
O financiamento para perdas e danos também poderia ajudar as pessoas a reconstruírem quando as suas casas são destruídas. Por exemplo, embora os sistemas de alerta precoce em Bangladesh tenham ajudado a reduzir drasticamente as mortes causadas por eventos climáticos extremos, as pessoas deixam os abrigos contra tempestades e descobrem que as suas casas e meios de subsistência foram destruídos e, portanto, sofreram, inquestionavelmente, perdas e danos.
E, quando necessário, os recursos para perdas e danos podem apoiar a migração e realocação das populações que tiverem de ser deslocadas de forma permanente ou ajudá-las no desenvolvimento de novas habilidades caso seus meios de subsistência não sejam mais viáveis.
8) O que precisa acontecer daqui pra frente?
Os impactos climáticos já causam perturbações generalizadas que deverão piorar com o tempo, mesmo com medidas ambiciosas de redução de emissões e adaptação. A necessidade de soluções para perdas e danos — e o financiamento que irá viabilizá-las — é mais urgente do que nunca.
Com o fundo para perdas e danos agora em funcionamento, a comunidade internacional terá de trabalhar para finalizar os detalhes dos novos acordos de financiamento e mobilizar financiamento em grande escala. A atenção também se voltará para o Conselho do FRLD, para garantir que as estruturas institucionais estejam em vigor para fornecer recursos com a velocidade e a escala necessárias.
À medida que os países se preparam para a Cúpula do Clima da ONU de 2025 (COP30), o mundo estará buscando sinais claros sobre perdas e danos a partir das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos países. Isso pode incluir informações que descrevam planos de resposta às perdas e danos, as necessidades dos países em desenvolvimento e os compromissos dos países desenvolvidos para contribuir com financiamento. Além disso, compromissos adicionais ao FRLD — assim como apoio financeiro para os arranjos internacionais globais mais amplos para lidar com perdas e danos, incluindo o Mecanismo Internacional de Varsóvia (WIM) e a Rede de Santiago (SNLD) — serão essenciais para fortalecer a agenda enquanto o mundo entra na segunda metade desta década tão importante.
Países em desenvolvimento e as comunidades mais atingidas pelos impactos climáticos estão contando com o mundo para cumprir essas expectativas.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights em abril de 2022. O texto foi atualizado pela última vez em maio de 2025 com informações mais recentes sobre as negociações sobre perdas e danos no âmbito das Nações Unidas.