O que é necessário para que as cidades promovam uma mudança sistêmica, capaz de transformar todo o sistema urbano para melhor? Encontrar e reconhecer esses exemplos é o objetivo do WRI Ross Center Prize for Cities.

card sobre o prize for cities

O novo ciclo do Prize for Cities recebe inscrições até 28 de maio. Inscreva-se já em prizeforcities.org.

Desde 2018, o WRI já recebeu mais de 900 inscrições em todas as edições do prêmio, selecionou 20 finalistas e concedeu quatro grandes prêmios de US$ 250 mil. Cada finalista de cada edição era um potencial vencedor digno do prêmio principal. Todos demonstraram impactos transformadores ao longo dos anos. São projetos que não foram apenas boas ideias: os governos locais e as organizações comunitárias envolvidos os executaram com excelência – e as comunidades beneficiadas já colhem os frutos de mudanças significativas.

Recentemente, o WRI conversou com três finalistas de edições anteriores – incluindo um vencedor do grande prêmio –, atuantes em diferentes frentes do transporte sustentável, para entender como estão hoje as transformações promovidas por seus projetos. De zonas de ultrabaixa emissão a redes de BRT e áreas escolares seguras, esses três projetos mostram como cidades podem reinventar a mobilidade urbana, não só reduzindo emissões de gases de efeito estufa como melhorando a vida de bilhões de pessoas.

Equidade na segurança viária: Sarsai

Acidentes de trânsito são a principal causa de morte entre jovens na África. Mesmo os sobreviventes podem enfrentar consequências pelo resto da vida: um acidente pode interromper a educação de uma criança ou encerrar perspectivas de carreira, enquanto os custos médicos podem drenar os recursos das famílias. Em alguns países, os acidentes de trânsito representam um custo equivalente a 1% a 9% do PIB.

A Amend, uma organização sem fins lucrativos com sedes em Gana, Moçambique e Tanzânia, venceu a primeira edição do Prize for Cities, em 2018-2019, com o projeto Sarsai (em português, “Avaliação e Melhoria da Segurança Viária em Áreas Escolares), uma iniciativa inovadora de segurança viária no entorno de 18 escolas em Dar es Salaam, na Tanzânia.

crianças atravessam a rua
Crianças usam faixa de pedestres próxima a escola em Dar es Salaam, na Tanzânia. A partir das lições do projeto Sarsai, a Amend hoje leva sua expertise em segurança viária para outras cidades e países da África Subsaariana. (Foto: WRI)

Em um bairro de Dar es Salaam, o volume de acidentes de trânsito estava diretamente relacionado a indicadores socioeconômicos, como nível de renda e escolaridade. O projeto Sarsai trabalhou com comunidades locais para realizar avaliações padronizadas de segurança viária e oferecer oficinas educativas à população. Em seguida, implementou intervenções de segurança específicas e de baixo custo em zonas escolares. Foram instalados balizadores, lombadas e calçadas para garantir trajetos mais seguros até a escola, além da melhoria na sinalização e ações de mobilização comunitária para envolver os principais atores no desenho das soluções.

Embora o foco tenha sido a infraestrutura ao redor das escolas, o resultado foi uma mudança profunda na forma como as comunidades aram a enxergar e lidar com a segurança no trânsito. As intervenções da Amend diminuíram os atropelamentos de crianças em 26% e levaram a uma redução de 40% na velocidade dos veículos, protegendo não só os estudantes, até então os mais afetados, como todos os demais usuários das vias.

Desde que venceu o WRI Ross Center Prize for Cities, a Amend levou seus serviços de desenho viário para bem além de Dar es Salaam.

“O Prêmio nos deu um estímulo importante quando estávamos começando a percorrer esse caminho alguns anos atrás”, relembra Jeffrey Witte, diretor executivo da Amend. “Agora, estamos levanvo os princípios do Sarsai para diversos projetos viários espalhados pela África.”

Em 2022, a organização lançou o programa Safe Schools Africa (Escolas Seguras África), com apoio de diversos bancos de desenvolvimento, incluindo o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimento. O programa aplica o processo de avaliação e desenho do Sarsai em Gana, Moçambique, Tanzânia e Zâmbia. Segundo a Amend, até agora o projeto já ajudou planejadores urbanos a projetar mais de 948 quilômetros de vias amigáveis para pedestres. Em dois anos, cerca de 100 mil estudantes em 100 escolas foram beneficiados, e o projeto recebeu financiamento suficiente para seguir com as atividades até 2030.

Em dezembro de 2024, a Amend recebeu o Prêmio Internacional de Segurança Viária Prince Michael pelo trabalho realizado na África.

A evolução da Amend e as abordagens pioneiras do Sarsai são prova da importância de intervenções simples, baseadas em dados e no envolvimento comunitário, e dos impactos em cadeia que uma infraestrutura mais segura e inteligente pode gerar nas cidades.

Promovendo a inclusão por meio da segurança viária: Zu Peshawar

Lançado em 2020 e finalista da edição 2021-2022 do WRI Ross Center Prize for Cities, o sistema BRT Zu Peshawar criou uma alternativa mais eficiente e inclusiva ao sistema anterior de transporte público da cidade, o qual gerava problemas para os usuários e moradores da sexta maior cidade do Paquistão. Formado por centenas de operadores informais, o sistema anterior congestionava as ruas e oferecia um serviço precário. Não atendia a todas as áreas, era inível para pessoas com deficiência, e mulheres e pessoas trans com frequência eram vítimas de assédio.

O Zu Peshawar transformou a infraestrutura de transporte ao criar o primeiro sistema formal de transporte público de Peshawar. Os operadores informais foram incorporados a uma agência municipal oficial, e o novo sistema começou a operar com 27 quilômetros de corredores BRT, 30 estações e uma frota de 220 ônibus híbridos movidos a diesel e eletricidade. Os novos ônibus são equipados com piso baixo para acomodar cadeiras de rodas, e também foi desenvolvido um plano de ação de gênero, incluindo seções e assentos reservados para mulheres (veja a foto principal do artigo) e monitoramento por vídeo. Posteriormente, a cidade também lançou um sistema de bicicletas compartilhadas e 120 quilômetros de novas calçadas.

As melhorias resultaram em níveis mais altos de satisfação dos ageiros e, consequentemente, no aumento do número de usuários de transporte público. Apesar de lançado durante a pandemia de Covid-19, o Zu Peshawar atingiu rapidamente a marca de 265 mil usuários diários (em uma cidade de dois milhões de habitantes) e registrou um aumento de 10 vezes no número de mulheres ageiras.

Ao longo dos últimos três anos, o sistema não parou de crescer. Segundo Imran Mohammad, gerente geral de operações da TransPeshawar, a frota do Zu Peshawar aumentou para 244 ônibus íveis para usuários de cadeiras de rodas. Atualmente, o sistema atende 300 mil ageiros por dia nos horários de pico, entre os quais cerca de 5 mil pessoas com deficiência, e as mulheres representam 30% do total de usuários.

“Isso é inacreditável para nós”, celebra Mohammad. “Porque, na época, não imaginávamos que o número de ageiros aumentaria tanto.”

Graças ao aumento da demanda, o Zu Peshawar está prestes a ar por uma nova expansão. Recentemente, começaram os estudos de viabilidade para a Fase II, que prevê a adição de novos 20 quilômetros de corredores e 250 ônibus totalmente elétricos até 2030. Os novos veículos substituirão ônibus a diesel em operação hoje e ajudarão a ampliar a frota. Em paralelo, outras grandes cidades de Punjab seguiram o exemplo de Peshawar. Em maio de 2024, Lahore, por exemplo, anunciou a compra de 300 ônibus elétricos e planos de construção de novos terminais.

Esse crescente investimento no transporte coletivo ocorre em meio a mudanças na política nacional. Mohammad apontou a participação do Paquistão na COP29 – que incluiu uma promessa para proteger crianças vulneráveis ao clima e um apelo por contribuições climáticas – como um sinal do compromisso do governo federal com os esforços de mitigação ambiental.

Zu Peshawar foi o primeiro sistema BRT da península indiana a alcançar padrão ouro e o primeiro sistema de transporte público no Paquistão a utilizar ônibus híbridos a diesel e elétricos. Tudo isso estimulou uma mudança maior. “Naquela época, as pessoas em outras cidades tinham medo da nova tecnologia”, relata Mohammad. Contudo, uma vez que o novo sistema e os novos veículos melhoraram o serviço e reduziram os custos operacionais, outras cidades aram a ter “coragem” de mudar, afirmou ele.

Em julho de 2022, a TransPeshawar recebeu um prêmio na categoria de “Melhor Programa de Bilhetagem Inteligente” da Transport Ticketing Global e foi mencionada com honra no Prêmio de Transporte Sustentável do ITDP em 2022 e 2024. 

Zu Peshawar reflete o poder transformador do transporte público para melhorar a vida das pessoas e o funcionamento de toda uma cidade.

Transporte mais limpo para todos: as zonas de ultrabaixa emissão

Em 2019, um estudo do Imperial College London concluiu que, sem nenhuma ação adicional para reduzir a poluição do ar, cerca de 550 mil habitantes da capital do Reino Unido desenvolveriam doenças relacionadas à poluição ao longo dos 30 anos seguintes, o que representaria um custo de 10,4 bilhões de libras (cerca de R$ 78 bilhões) aos sistemas de saúde e assistência social até 2050. Para impedir esse cenário, em 2020 Londres lançou a primeira Zona de Ultrabaixa Emissão (ULEZ, na sigla em inglês) do mundo. A iniciativa foi finalista da edição de 2020-2021 do WRI Ross Center Prize for Cities pela abordagem inovadora e impacto significativo na redução da poluição atmosférica de Londres.

Em essência, a ULEZ é simples: são cobradas taxas de todos os veículos movidos a gasolina e diesel que circulam dentro da zona estipulada, além de multas adicionais para veículos com escapamentos fora dos padrões. A receita obtida com as taxas é reinvestida no sistema de transporte público da cidade. O objetivo é incentivar e apoiar modos de transporte mais limpos e reduzir os congestionamentos.

Analisando o projeto em detalhes, também ficam evidentes as relações entre transporte, saúde pública e justiça social. A poluição causada pelo setor de transportes em Londres, devido ao desenho viário e outros fatores, afeta de forma desproporcional comunidades de baixa renda e pessoas negras, as quais, apesar de serem quem menos contribui para gerar a poluição, sofrem com seus impactos mais graves. Ao restringir a circulação de veículos altamente emissores e investir em transporte mais limpo, a Zona de Ultrabaixa Emissão ajuda a combater essas desigualdades.

Em apenas um ano desde a implementação, a zona retirou 44,1 mil veículos das ruas e reduziu em 44% a poluição por óxidos de nitrogênio. A receita gerada pelas taxas cobradas foi usada para substituir antigos ônibus a diesel por modelos elétricos. Além disso, para amenizar o impacto financeiro entre comunidades de baixa renda, o prefeito lançou o maior programa de sucateamento da história do Reino Unido. Em 2023, 210 milhões de libras (cerca de R$ 1,6 bilhão) foram destinados para auxiliar moradores e empresas na transição para veículos mais limpos – contribuindo para reduzir a poluição do ar e tornar a mobilidade mais ível a todos os residentes.

Desde que foi indicada como finalista do WRI Ross Center Prize for Cities, a prefeitura de Londres expandiu a ULEZ para abranger todos os distritos da cidade. Em 2024, a frota de ônibus com emissão zero já era oito vezes maior, com mais de 1,4 mil veículos, entre modelos elétricos e com célula de combustível a hidrogênio, além de milhares de táxis elétricos e nova infraestrutura de recarga. Um relatório de 2024 atribuiu à implementação da ULEZ uma redução de 62% nas emissões de óxidos de nitrogênio nas vias entre 2017 e 2023. Os níveis de concentração de material particulado fino, prejudicial aos pulmões e associado ao risco de doenças cardíacas, caiu 40% no mesmo período.

“O sucesso de Londres acelerou a adoção de políticas para reduzir a poluição do ar, com Zonas de Ar Limpo, baseadas na estrutura da ULEZ, já introduzidas em Birmingham, Portsmouth e Bath, além de outras previstas em outros locais do Reino Unido”, declara Sarah Morris, gerente de qualidade do ar da Greater London Authority.

Londres ainda possui o modelo de pedágio urbano mais rigoroso do mundo, mas nos últimos anos teve seu exemplo seguido por iniciativas semelhantes em Estocolmo, Milão e Nova York. Ao reduzir a poluição, ampliar o o à mobilidade e proteger comunidades vulneráveis, a Zona de Emissão Ultrabaixa demonstra que o transporte sustentável pode ser uma intervenção essencial para fortalecer ao mesmo tempo a saúde pública e a justiça social.

mulher de bicicleta em rua de Londres com ônibus típico ao fundo
Ciclistas e ônibus dividem as ruas em Londres. Ao aplicar taxas para veículos movidos a gasolina e diesel, a Zona de Ultrabaixa Emissão permitiu o investimento em mobilidade elétrica e em modos de transporte ativos. (Foto: WRI)

Promovendo mudanças transformadoras

Gerar mudanças reais nos complexos sistemas urbanos é uma tarefa desafiadora. O reconhecimento de bons exemplos desempenha um papel importante ao ampliar o alcance de iniciativas bem-sucedidas, garantindo visibilidade para que possam ganhar escala e, por fim, beneficiar outros locais. O WRI Ross Center Prize for Cities e premiações semelhantes não apenas validam trabalhos de impacto como ajudam os projetos a conseguir apoio e ampliar suas plataformas de transformação.

Investimentos contínuos e reconhecimento no transporte público são essenciais para construir cidades mais íveis, resilientes e prósperas. Estima-se que, em 2024, 4,6 bilhões de pessoas utilizaram meios de transporte público em todo o mundo – ainda assim, metade dos habitantes de cidades ainda não tem o a esse serviço. Encontrar novas formas de investir em transporte público e mobilidade ativa é cada vez mais urgente, diante da necessidade de reduzir emissões e manter economias sustentáveis nos centros urbanos. O investimento global em infraestrutura de transporte urbano precisa dobrar até 2030 para que possamos cumprir a meta de 1,5°C do Acordo de Paris.

Os projetos transformadores que apresentamos aqui são exemplo desse equilíbrio. Quando as redes de transporte conectam as crianças à escola, trabalhadores a seus empregos e comunidades a serviços essenciais, elas fazem mais do que apenas transportar pessoas: aumentam a produtividade, melhoram a saúde pública e impulsionam o crescimento econômico, criando cidades mais fortes e mais justas para todos.

Este artigo foi publicado originalmente em wri.org