A Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro e símbolo do semiárido nordestino, é ao mesmo tempo rica em biodiversidade e altamente vulnerável à degradação ambiental. Sua conservação é fundamental para o equilíbrio ecológico da região, mas também para a sustentabilidade da vida de milhares de pessoas que dependem diretamente dos seus recursos naturais.  

No ano ado, um estudo do Programa Raízes da Caatinga, conduzido pela IDH em parceria com o WRI Brasil e a Diaconia, mostrou o grande potencial da restauração para transformar a paisagem do sertão. O estudo Avaliação das Oportunidades de Restauração (ROAM), identificou uma oportunidade de restaurar 500 mil hectares de florestas nas regiões do Sertão do Pajeú (PE), Cariri Ocidental (PB) e Sertão do Apodi (RN). Além disso, mostrou que essa restauração pode ser fundamental para fins ecológicos - como a melhoria da qualidade da água - e socioeconômicos - como a geração de renda por meio de Sistemas Agroflorestais e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta.  

Como continuidade desse estudo, o WRI Brasil e parceiros conduziram a implementação de duas unidades demonstrativas de restauração no Sertão do Pajeú e no Sertão do Apodi. Essas unidades demonstrativas se baseiam nos arranjos de restauração apresentados no estudo e selecionadas a partir dos critérios da análise apresentados no relatório de oportunidades para a restauração na Caatinga.  O objetivo é mostrar que é possível transformar paisagens, impulsionar a produção sustentável e fortalecer redes comunitárias. 

Restauração ecológica e produtiva no semiárido  

A iniciativa marca o início de uma ação coordenada com a implementação de áreas piloto de um hectare cada, utilizando a combinação de sementes e mudas em dois contextos de restauração: ecológica e produtiva.  

No Sertão do Pajeú, a abordagem é voltada à restauração ecológica da vegetação nativa da Caatinga, com o objetivo de recuperar processos ecológicos e promover a regeneração natural. A técnica empregada é a muvuca, que consiste na semeadura direta de um mix de sementes de diferentes espécies, em combinação com o plantio de muda. Essa abordagem busca replicar a diversidade e a dinâmica natural das espécies vegetais da região e permite também uma análise comparativa sobre a eficiência e o custo-benefício entre o uso de sementes e mudas na recuperação da vegetação.  

No Sertão do Apodi, a estratégia adotada é a restauração produtiva, por meio da implementação de um sistema agroflorestal (SAF) com espécies nativas e melíferas. Aqui também são utilizadas sementes e mudas, mas o foco vai além da recuperação ambiental, integrando a produção de alimentos, a criação de abelhas nativas (meliponicultora) e geração de renda.  Essa abordagem conecta restauração com segurança alimentar e autonomia econômica, permitindo que os excedentes de produção possam ser comercializados pelas famílias envolvidas.  

Foto: BEN HUR MONRAHATTY

Território, inclusão e redes locais

As duas unidades demonstrativas têm papel estratégico: são modelos replicáveis que unem restauração ambiental, inclusão social e valorização do conhecimento tradicional. A ação envolve organizações locais como a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), a ADSERER, o Sindicato de Produtores Rurais de Apodi, o Redário e o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan). Também se insere nos Pactos Pajeú Sustentável e Apodi Sustentável, pilares da estratégia territorial do projeto Raízes da Caatinga.  

A origem das sementes e mudas é um diferencial do projeto: elas são fornecidas por redes locais, como a Rede de Sementes do Pajeú, e articuladas nacionalmente por meio do Redário - uma articulação inovadora que conecta mais de 20 redes e grupos de coletores de sementes de todo o Brasil. Essas redes fortalecem cadeias comunitárias de restauração, conectando saberes tradicionais e gerando renda a partir da restauração.  

A escolha das espécies vegetais leva em conta seu valor ecológico, cultural e econômico. Estão entre elas a carnaúba, o juazeiro, a craibeira, o angico, a amburana e a jurema-branca.

Foto: Claudio Gomes

Ciência, governança e futuro da Caatinga  

A implementação das Unidades Demonstrativas no Sertão do Pajeú e no Sertão do Apodi representa uma segunda fase do Pilar Proteger do Programa Raízes da Caatinga. Essas ações dão continuidade à primeira etapa do programa, na qual o WRI Brasil conduziu a aplicação da metodologia Avaliação das Oportunidades de Restauração (ROAM), identificando oportunidades para restauração que aliam conservação da biodiversidade, inclusão social e produção sustentável.

Mais do que experimentos isolados, essas experiências refletem o fortalecimento de arranjos institucionais e comunitários que integram ciência, saberes tradicionais e ação local. Ao articular organizações como a Rede de Mulheres do Pajeú, o Redário, o Serta, o Cepan, a EMPARN e outras, a iniciativa demonstra que a restauração é também um caminho de fortalecimento das redes territoriais, que conectam pessoas, conhecimentos e oportunidades. Nesse contexto, o uso de sementes e mudas nativas não apenas recupera ecossistemas, mas também ativa economias locais por meio de cadeias socioprodutivas, como as redes de sementes comunitárias.

O apoio técnico, a governança compartilhada e os pactos territoriais, como o Pajeú Sustentável e o Apodi Sustentável, são pilares essenciais para dar escala e continuidade à restauração na Caatinga. Além da restauração ecológica, os modelos produtivos mostram que é possível gerar alimentos, renda e resiliência climática, integrando restauração com segurança alimentar e autonomia econômica.

Assim, as unidades demonstrativas são sementes de uma transformação maior: mostram que é possível regenerar o semiárido com base na biodiversidade local, respeitando os saberes tradicionais e promovendo inclusão econômica. O caminho da restauração na Caatinga a pela valorização do território, pelo engajamento comunitário e pela construção de soluções integradas.