
Mariano Cenamo, CEO da Amaz: “Na Amazônia, a gente tem que transformar interesse em ação”
Esta entrevista faz parte do especial Que Bioeconomia é Essa?
Mariano Cenamo é engenheiro florestal, empreendedor social e dedica sua carreira à busca por soluções inovadoras para conciliar o desenvolvimento socioeconômico e a conservação florestal na Amazônia. Ele fundou o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (IDESAM) em 2004 e, nos últimos anos, concentrou esforços na criação de um ecossistema de impacto e inovação na Amazônia Legal, atraindo investidores e empreendedores para impulsionar uma economia sustentável na região. Em 2021, lançou a Amaz, uma aceleradora de negócios de impacto coordenada pelo Idesam, que oferece e estratégico e financeiro para empreendedores comprometidos com a conservação florestal. Nesta entrevista, Cenamo reflete sobre sua experiência impulsionando a bioeconomia na Amazônia.
WRI BRASIL: Para você, o que é bioeconomia">
WRI BRASIL: Qual é o potencial da economia na região amazônica? MARIANO CENAMO: De números, o WRI Brasil tem lançado uma série de estudos, mas posso falar de de uma iniciativa muito promissora, que está crescendo bastante, que é o projeto do café Apuí, que nós criamos oito anos atrás. Nós reflorestamos algumas áreas degradadas ou áreas de pastagem, plantando sistemas agroflorestais para a produção de café. É um café orgânico certificado que tem conseguido gerar dez vezes mais renda do que a pecuária, que é o uso predominante na região. Estamos falando de Apuí, na região sul do Amazonas, onde 90% da atividade relacionada ao uso da terra é pecuária extensiva. A pecuária paga ao produtor hoje, em média, algo em torno de R$ 700 a R$ 800 reais por hectare ano. Com café, nós estamos conseguindo gerar R$ 7 mil ou R$ 8 mil, em alguns casos até R$ 10 mil de renda por hectare ao ano. Café orgânico que está sendo exportado, está sendo vendido nos mercados de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Manaus e por aí vai. Então, acho que esse é um exemplo bem interessante de que existe mercado, existe demanda e quanto que isso pode virar o jogo. WRI BRASIL: O que te leva a acreditar no aumento dos negócios da bioeconomia nas próximas décadas? MARIANO CENAMO: O que me deixa otimista é que existe uma geração de empreendedores vindo especialmente nos últimos quatro, cinco anos, durante a pandemia, que tem como propósito resolver os problemas sociais e ambientais do mundo. Pessoas que tem capacidade de empreender e se informam minimamente sobre o caminho que a humanidade está seguindo e falam “poxa, vou ter que fazer alguma coisa para melhorar esse cenário”. Então essas pessoas estão buscando empreender e a gente tem ficado muito feliz de ter conseguido atrair alguma delas com a nossa aceleradora para empreender na Amazônia provendo soluções para os problemas sociais e ambientais. Então, assim, existe hoje claramente uma demanda de mercado por produtos ou soluções que resolvam o problema da mudança do clima. E aí, de novo, voltando para os números, falar de resolução do problema das mudanças climáticas no Brasil, basicamente 70% do problema se resume ao uso da terra, especialmente na Amazônia. Isso está atraindo muita gente que tem visão de futuro e percebe que os governos não estão dando conta, que existe uma oportunidade de mercado para empresas que possam solucionar esses problemas. Então isso me deixa otimista. Eu acho que os empreendedores têm uma capacidade única de independente do cenário político, encontrarem brechas, formas de hackear o sistema e ainda assim implementar soluções. Basta analisar, por exemplo, a revolução digital, das tecnologias. Há 20 anos atrás a gente mal utilizava o WhatsApp, não existia Waze, não existia Uber, não existia Airbnb, todo esse monte de coisa que surgiu aí, tecnologias que hoje a gente basicamente não vive sem. Esses produtos foram criados por empreendedores sem nenhum incentivo de governo. Foram empreendedores que viram que existiam soluções que poderiam ser úteis para a humanidade e foram criando esses negócios. Eu acredito que vai vir uma geração de empreendedores, que já está começando a surgir, com essa mesma visão de que resolver os problemas ambientais, em especial os problemas climáticos, vai ser necessário e dá para fazer isso como empreendedor. WRI BRASIL: Qual seria a estratégia para ganho de escala da bioeconomia? MARIANO CENAMO: Olha, eu sempre digo que não existe bala de prata. Eu acho que ganho de escala em situações complexas a por várias soluções. Não acredito que a solução, por exemplo, do desmatamento na Amazônia, olhando do ponto de vista de negócios da bioeconomia, vai surgir a partir de uma megaempresa que vai atuar na região inteira e vai conseguir conter o desmatamento e gerar renda para as comunidades. O problema é muito complexo. A começar pela diferença que existe entre, por exemplo, o Pará e o Acre. Do ponto de vista econômico, cultural, geográfico, são estados muito diferentes, são dinâmicas muito diferentes. Então você não arruma uma solução só para tudo isso. É por isso que, na minha opinião, o ganho de escala para bioeconomia na Amazônia envolve a criação de centenas de negócios locais e não de quatro ou cinco startups que vão virar unicórnios na Amazônia. Sou muito contra esse discurso de que precisamos de um unicórnio, uma empresa que vai crescer e vai gerar essa transformação. Claro que precisamos de empresas grandes, robustas, ambiciosas. Mas eu acho que escala, numa região diversa e complexa como a Amazônia, ainda mais quando se quer ganhar escala resolvendo problemas sociais e ambientais, envolve múltiplas iniciativas e não um grande programa governamental ou um grande projeto de uma ONG ou uma grande empresa que foi criada por um empreendedor brilhante. Precisamos de diversidade. WRI BRASIL: Como você vê a economia da Amazônia no futuro? MARIANO CENAMO: Meu sonho é ver a bioeconomia ou a economia da Amazônia com a floresta em pé ou com a floresta restaurada gerando 20% do PIB nacional. Hoje nós estamos em 8%, então nós temos mais do que dobrar. E eu acho essa a grande oportunidade que o Brasil tem para se posicionar no cenário macropolítico internacional. O grande diferencial que o Brasil tem no mundo é a sua capacidade de produzir alimentos, serviços ambientais, como o carbono e a manutenção do regime hidrológico, e gerar renda para sua população conservando essas florestas que são o nosso grande patrimônio. Eu acho que a maior capacidade que o Brasil tem de atrair investimento é nessa área. E se nós conseguirmos fazer isso direito, nós vamos nos posicionar como líderes globais. Os diálogos do G20 acontecendo no Brasil neste ano são um claro indicativo disso. Se você perguntar para um gringo quais são as três coisas que vêm na cabeça dele quando você fala de Brasil, ele vai falar samba, futebol e Amazônia. O samba e o futebol a gente já está valorizando o suficiente, já consegue atrair investimentos. Para a Amazônia ainda falta muito. Na Amazônia, a gente tem que transformar interesse em ação. Esse é o nosso grande desafio.